Acordo entre as duas fabricantes de aeronaves foi rompido em abril de 2020 – saiba o que mudou desde então

Quase dois anos depois do fracasso das negociações com a Boeing, em abril de 2020, que frustrou o mercado e fez com que as ações da Embraer (EMBR3) despencassem 7,5% no pregão seguinte à notícia, especialistas avaliam que o fim do negócio pode não ter sido prejudicial para a brasileira – muito pelo contrário.

As negociações entre a Embraer e a Boeing envolviam a compra, pela fabricante de aeronaves americana, da divisão de aviação comercial da brasileira por US$ 4,2 bilhões. O resultado seria uma nova companhia, de que a Boeing teria 80% de participação e a Embraer, 20%.

As negociações, porém, começaram a azedar com a pandemia do novo coronavírus, que pressionou as ações da Embraer e fez com que a Boeing adotasse uma postura mais cautelosa.

Antes disso, a companhia americana já vinha enfrentando um grande problema com seus aviões 737 MAX, que passaram meses impedidos de levantar voo depois de dois grandes acidentes fatais. Neste contexto, a americana deu para trás, alegando, na ocasião, que a Embraer não teria cumprido “condições necessárias” para o negócio.

Segundo a Embraer, porém, em fato relevante anunciando o rompimento do acordo, “a Boeing rescindiu indevidamente o MTA [Acordo Global da Operação], tendo criado falsas alegações como pretexto para se furtar a sua obrigação de concluir a operação”. A brasileira citou a situação financeira da Boeing, as questões envolvendo o 737 MAX e problemas reputacionais como fatores que poderiam estar por trás da desistência.

A Embraer, porém, já havia se dividido em duas, separando seu braço de aviação comercial, em preparação para a venda para Boeing — processo que, combinado a outros ajustes realizados pela Embraer, custou cerca de R$ 485 milhões, segundo a própria companhia. E mais custos foram necessários para a reestruturação depois do fim do negócio com a Boeing.

Diante deste cenário, a Embraer registrou prejuízo líquido ajustado de 2,37 bilhões em 2020, e suas ações acumularam perdas de 55% no ano. Com a mesma força que caiu, porém, a companhia tem se recuperado: entre janeiro e setembro de 2021, a Embraer anotou prejuízo líquido de R$ 489,8 milhões – bem abaixo, ou um quinto, dos R$ 2,3 bilhões acumulados nos mesmos nove meses do ano anterior.

Lucro e margem da Embraer de 2012 a 2021

Gráfico com lucro líquido e margem líquida da Embraer de 2012 a 2021
Fonte: TradeMap

A recuperação também tem ocorrido na Bolsa de valores. Em 2021, a ação da Embraer teve uma das maiores altas do Ibovespa, somando ganhos de 180%. Considerando os últimos 12 meses, a performance do papel é de ganhos de 20,19%, superando a alta de apenas 0,32% do Ibovespa.

EMBR3 x Ibovespa nos últimos 12 meses

Gráfico comparando a performance das ações da Embraer com a do Ibovespa nos últimos 12 meses
Fonte: TradeMap

Voo de recuperação

Em abril de 2019, antes da crise começar, a Embraer anunciou a contratação de um novo CEO, Fracisco Gomes Neto, que, segundo Alexandre Torrano, analista da Rio Verde Investimentos, foi fundamental para o turnaround da empresa.

“Ele conhece muito de indústria, e realizou um grande ajuste na Embraer em termos de estrutura operacional, acelerando o processo de reintegração da área que havia sido separada para o acordo com a Boeing”, relembra o analista.

Outro ponto que ajudou a Embraer a atravessar a crise da pandemia foi o segmento de aviação executiva, que seguiu acelerado por alguns fatores. O primeiro deles, segundo Torrano, é que muitas pessoas optaram por viajar em aviões particulares para evitar o risco de contaminação pelo vírus.

Rodrigo Crespi, analista da Guide Investimentos, menciona ainda que o público-alvo do segmento, de altíssima renda, faz com que seja mais resiliente em momentos de crise.

Enquanto a receita do segmento de aviação comercial da Embraer registrou queda de 3% na comparação entre o quarto trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020, a receita do segmento executivo apresentou alta de 20%.

Receita líquida por segmento

Tabela com receita líquida por segmento da Embraer
Fonte: Balanço da companhia

Esse mercado, na visão de Rodrigo Crespi, deve seguir em crescimento por um período relativamente longo, ajudando a sustentar os resultados da fabricante de aeronaves.

O segmento de aviação comercial, que sofreu mais com a pandemia, também já dá sinais de recuperação, com diversos anúncios de companhias aéreas sobre renovação de frota nos últimos meses, aponta Crespi. Com isso, a Embraer tem registrado, nos últimos trimestres, um volume maior de entrega de jatos comerciais em relação a 2020.

Entrega de jatos comerciais

Gráfico com a entrega de jatos comerciais da Embraer
Fonte: Balanço da companhia

Por ter sido obrigada, pelo fim do negócio com a Boeing, a realizar uma série de mudanças estruturais, a Embraer sai desse processo mais preparada para se beneficiar dessa retomada. “Como a empresa estava muito mais enxuta, muito mais ajustada, as margens começaram a melhorar rapidamente e a empresa começou um movimento de virada”, diz Alexandre Torrano.

Deixando a Boeing para trás

Enquanto a Embraer vem se desenvolvendo em diversas frentes e passou por uma “reviravolta robusta” em 2021, nas palavras de Rodrigo Crespi, a Boeing, por outro lado, não tem sido capaz de se recuperar de momentos difíceis, avalia Alexandre Torrano, que acredita que a Embraer está “com certeza” melhor sem a Boeing.

Ao mesmo tempo em que o prejuízo líquido ajustado da Embraer diminuiu de US$ 148 milhões no terceiro trimestre de 2020 para US$ 34 milhões nos mesmos três meses do ano passado, uma melhora de 77%, o resultado da Boeing foi de prejuízo de US$ 1,39 por ação para US$ 0,60 por ação no mesmo período, uma recuperação menor, de 56%.

“De fato, a parceria com a Boeing ter terminado não foi um fato que acabou sendo de relevância no longo prazo da empresa”, diz João Abdouni, analista de ações da INV.

Enquanto e a Embraer vem registrando melhora em seus resultados operacionais, a Boeing já sinalizou que poderá ter de recorrer a um aumento de capital, aponta Torrano.

E daqui para frente?

A “cereja do bolo” da Embraer, no entanto, não está em nenhum destes pontos que a ajudaram a atravessar a pandemia em voo de cruzeiro, dizem os especialistas: o grande trunfo da empresa é sua subsidiária Eve, empresa de veículos aéreos de mobilidade urbana, os eVTOL, conhecidos como “carros voadores”.

Segundo João Abdouni, esse pode ser um game changer para a companhia se os chamados carros voadores realmente emplacarem – e isso, segundo o analista, ainda não está bem precificado nas ações.

Em junho do ano passado, a Eve se fundiu com a SPAC (special purpose acquisition company, empresa criada especialmente para possibilitar IPOs) americana Zanite em negócio que avaliou a subsidiária da Embraer em US$ 2,9 bilhões. O próximo passo, que deve ocorrer ainda neste ano, será a listagem da Eve na Bolsa de valores de Nova York.

“Esse projeto é uma das coisas que realmente traz a Embraer para o futuro”, diz o analista da Rio Verde.

Alexandre Torrano menciona ainda as iniciativas de ESG da Embraer como fatores que podem jogar a seu favor daqui para frente, com investimentos em tecnologias para uso de combustíveis alternativos.

Nessa frente, Rodrigo Crespi chama atenção para a parceria com a Rolls-Royce anunciada em fevereiro, com foco em realizar estudos para uma aeronave regional conceitual com emissão zero. “As inovações tecnológicas têm o potencial de permitir que a energia limpa e renovável impulsione uma nova era da aviação regional”, disse o Arjan Meijer, presidente e CEO da Embraer Aviação Comercial, em fato relevante de 17 de fevereiro.

Turbulências devem se limitar ao curto prazo

Mesmo com todos esses fatores que apontam para um longo prazo promissor, no curto prazo a Embraer ainda pode enfrentar alguns desafios, ressaltam os especialistas.

Em primeiro lugar, a pandemia de coronavírus ainda exerce certa pressão sobre o setor aéreo, que pode perdurar ao longo deste ano e parte de 2023, segundo Torrano. A Embraer ainda não atingiu os números de venda que registrava antes da pandemia.

Em 2019, relembra João Abouni, a companhia vendeu 198 jatos. Em 2020, auge da pandemia, o volume de vendas foi de 130 jatos e, em 2021, de 141 – recuperação em relação ao ano anterior, mas ainda abaixo dos níveis pré-pandêmicos.

Outro ponto que tem pesado sobre as ações da Embraer no curto prazo é o movimento de venda que tem predominado entre investidores para as empresas de tecnologia na Nasdaq, aponta Alexandre Torrano, em referência à bolsa americana em que as ações da subsidiária Eve devem ser listadas.

Finalmente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia também pode ter seus impactos sobre a Embraer por diversas frentes. Um primeiro efeito é a alta nos preços do petróleo, que prejudica o poder de compra das companhias aéreas, fazendo com que elas evitem adquirir novas aeronaves.

Outro efeito da guerra que pode prejudicar a Embraer é a escassez de titânio, material leve usado na fabricação de aeronaves e motores, e que tem a Rússia como líder mundial de produção.

No entanto, a empresa afirmou recentemente que seu estoque da matéria prima é considerável, de forma que será relativamente menos afetada pela crise geopolítica.

Estes efeitos, porém, devem se limitar ao curto prazo. “Se olharmos o trabalho de base, tudo o que foi feito na empresa, acho que, depois que passar essa questão da guerra da Rússia com a Ucrânia, será um momento muito favorável”, diz Alexandre Torrano, da Rio Verde. “A empresa tem bons produtos, tem uma área muito forte de pesquisa e desenvolvimento, tem know how… A única coisa que ela precisava fazer era ajustar a estrutura operacional, o que já foi feito”, completa.

“Agora vemos uma empresa bastante competitiva, mesmo quando comparado com as grandes fabricantes mundiais, como Airbus e Boeing, e eu diria que, atualmente, a Embraer estaria na frente de Bombardier, sua principal competidora”, aponta Rodrigo Crespi, da Guide.

Como o mercado enxerga as ações?

O otimismo dos analistas do mercado parece ser consenso. De acordo com dados da Refinitiv disponíveis na plataforma TradeMap, quatro das cinco casas de análise consultadas recomendam a compra da ação, enquanto apenas uma indica a manutenção do papel na carteira.

A mediana dos preços-alvo fixados pelos analistas é de R$ 25,64, o que representa alta de 64% em relação ao preço do fechamento de terça-feira (8), de R$ 15,60.

Análise do mercado sobre as ações da EmbraerFonte: Trademap

Por volta das 15h30 desta quarta-feira (9), as ações eram negociadas em alta de 8,01%, a R$ 16,85. A companhia irá divulgar seu balanço do quarto trimestre de 2021 após o fechamento de hoje, e a teleconferência de resultados será às 9h de amanhã.